O QUE SÃO AS DOENÇAS NEUROMUSCULARES?
O termo “Doenças Neuromusculares” aplica-se a um universo muito alargado de diferentes patologias, já identificadas, e engloba as doenças dos músculos (Miopatias), doenças dos nervos (Neuropatias) doenças dos cornos anteriores da medula (Atrofia Espinais) e as perturbações da junção neuromuscular (Miastenias), entre outras.
São doenças genéticas, hereditárias e progressivas e todas têm em comum a falta de força muscular, necessitando os doentes, a quem foram diagnosticadas, de apoios e/ou ajudas técnicas – cadeiras de rodas eléctricas ou andarilhos para a sua locomoção, computadores para a escrita, apoios de cabeça, ajudas várias para a manipulação, veículos de transporte adaptados, etc.
Os músculos pulmonares e o coração são frequentemente afectados, provocando dificuldades respiratórias e cardíacas. A fraqueza muscular atinge também os músculos da coluna vertebral, dando origem a inevitáveis escolioses que vão agravar, ainda mais, as dificuldades respiratórias. Nestes casos, é necessária uma intervenção cirúrgica de correcção, que melhora substancialmente a qualidade de vida dos doentes. Ao nível das extremidades, surgem deformações e retracções tendinosas que aumentam as dificuldades nos movimentos. Apesar de toda a fraqueza muscular e deformações articulares, os doentes neuromusculares mantêm, na sua grande maioria, um nível intelectual normal.
Estas doenças não têm, por enquanto, cura. No entanto, os diversos problemas que afectam os doentes podem ser minorados com o apoio das equipas multidisciplinares que incluam neuropediatras, neurologistas, fisiatras, ortopedistas, psicólogos, cardiologistas e especialistas das funções respiratórias que, vão sendo constituídas nos vários centros hospitalares e trabalhando em comum.
QUANTAS PESSOAS ESTÃO AFECTADAS POR UMA DOENÇA NEUROMUSCULAR?
Estima-se que em Portugal, país com cerca de 10 milhões de habitantes, e de acordo com dados estatísticos internacionais, existam mais de 5000 doentes afectados, encontrando-se distribuídos por diferentes patologias.
Um inquérito realizado em 11 das 13 Consultas de Neuropediatria existentes no País, revelou a existência, nos últimos 10 anos, de 659 doentes com doenças neuromusculares em idade pediátrica. Em 599 destes doentes foi identificada uma doença genética. Na maioria destas crianças o apoio precoce a estas situações, por parte dos pais e técnicos de saúde, nomeadamente no respeitante ao diagnóstico e terapêutica, faz-nos prever que atingiram, ou irão atingir, a idade adulta com situações relativamente controladas e que irão depender de cuidados de saúde continuados e acessíveis, para manterem a sua integração na sociedade, a qualidade de vida e o tempo de sobrevida para os quais este apoio precoce os preparou.
Também os restantes doentes adultos, alguns com diagnóstico mais tardio ou falta de apoio, apresentam hoje agravados e progressivos problemas médicos e sociais o que torna imperioso o seu apoio adequado através de cuidados médicos continuados.
NECESSIDADES BÁSICAS ESSENCIAIS PARA UMA MELHOR QUALIDADE DE VIDA:
• Criar condições para que todas as limitações inerentes à doença sejam supridas.
• Acompanhamento médico especializado em consultas multidisciplinares.
• Atribuição de ajudas técnicas adaptadas e em tempo útil face à progressão da doença.
• Em alguns casos, felizmente, raros, o uso de suplementos alimentares como substituto da alimentação normal por incapacidade de mastigação e dificuldade de deglutição.
• Necessidade de uma terceira pessoa para as actividades da vida diária.
• Apoio acrescido às famílias (psicológico, económico e outros), tentando compensar os elevados custos (materiais e emocionais) inerentes ao acompanhamento de alguns destes doentes.
• Implementação e fiscalização efectiva das normas de acessibilidades.
• Criação de um centro de referência e qualidade para os doentes neuromusculares.
• Criação de unidades especializadas de internamento médio/prolongado, de apoios continuados e domiciliares.
ALGUMAS DIFICULDADES MAIS LIMITATIVAS:
Incapacidade das famílias para, com os míseros apoios existentes, darem o acompanhamento necessário para que haja uma eficiente integração na escola e no trabalho.
Falta de vontade política dos responsáveis para ajudar a resolver os problemas:
• Continuam a ser construídos edifícios absolutamente inacessíveis a estes doentes;
• Continuam-se a construir ou a renovar passeios, mantendo barreiras intransponíveis para a circulação destas pessoas.
Nos, infelizmente ainda raros, casos de doentes neuromusculares com maior dependência inseridos no mundo do trabalho, queremos acreditar que a falta de conhecimento do carácter progressivo destas doenças, poderá exigir a reforma antecipada sem a perda de direitos.
O Síndrome de Rett é uma anomalia genética que causa desordens de ordem neurológica, acometendo somente em crianças do sexo feminino. Compromete progressivamente as funções motoras, intelectual assim como os distúrbios de comportamento e dependência.
No caso típico, a menina desenvolve de forma aparentemente normal entre 8 a 12 meses de idade, depois começa a mudar o padrão do seu desenvolvimento – com consequente paragem nos ganhos psicomotores, a criança torna-se isolada e deixa de responder e brincar. O crescimento craniano, demonstra clara tendência para um desenvolvimento mais lento, ocorrendo uma microcefalia adquirida. Aos poucos deixa de manipular objectos, surgem movimentos estereotipados das mãos, entre outros.
O síndrome de Rett é uma doença neurológica que ocorre quase exclusivamente em crianças do sexo feminino - Após um período inicial aparentemente normal as crianças afectadas desenvolvem microcefalia com regressão do desenvolvimento e alterações neurológicas e comportamentais características.
Foi descrita pela primeira vez em 1966, por Andreas Rett (Austríaco), numa publicação médica alemã.
O síndrome de Rett afecta quase exclusivamente as meninas e causa um comprometimento progressivo das funções: motora e intelectual, assim como distúrbios de comportamento.
Os sintomas desta patologia são variados e podem ser confundidos com o autismo. As raparigas que sofrem desta doença nascem sem qualquer sinal aparente de anormalidade e parecem desenvolver-se normalmente entre os 6 e os 18 meses de vida. Porém, estagnam na sua evolução e começam a apresentar sinais de regressão física e neurológica. Nesta fase começa a surgir um quadro sintomático particular:
“Os bebés começam a perder a capacidade de usar as mãos, mostram ter problemas de equilíbrio, deixam de falar, podem perder a marcha, ficam mentalmente diminuídos e demonstram sérios problemas de relacionamento com os outros, evitando, por exemplo, o contacto visual. A estereotipia mais característica do síndrome é, no entanto, a que se assemelha a um constante esfregar de mãos e que é o sintoma mais comum. A maior parte destas crianças tem uma esperança média de vida diminuída e morre antes de atingir a idade adulta, apesar de haver casos conhecidos de doentes que chegam aos 50 anos”.
Sintomas do síndrome de Rett :
“Regressão na comunicação e no desenvolvimento social (frequentemente considerado semelhante ao autista); Pequena capacidade para gatinhar; Perda das capacidades manuais (anteriormente adquiridas); Movimentos estereotipados constantes; Diminuição do ritmo de crescimento da cabeça à medida que a idade aumenta; Falta de firmeza no andar (andar com uma base larga, com as pernas rígidas e ás vezes caminhar nas pontas dos dedos dos pés - apenas aproximadamente metade das raparigas com este síndrome são capazes de caminhar em alguma fase da vida); Atraso mental profundo; Hiperventilacão e/ou paragens respiratórios; Ranger os dentes; Redução da gordura e da massa muscular; Balouçar o tronco, que muitas vezes envolve os membros (particularmente quando a rapariga está aborrecida); Fraca circulação das extremidades inferiores, com os pés e as pernas muitas vezes frios, com um vermelho azulado; Espasticidade progressiva à medida que a idade progride; Mobilidade diminuída com a idade; Deformação da coluna (escoliose); Prisão de ventre; Manifestações epilépticas, (que podem começar em qualquer idade); Diminuição das características autistas, com a idade”.
1º Estágio: O diagnóstico ainda não pode ser confirmado, mas frequentemente, estas crianças são diagnosticadas, como portadoras de autismo ou de paralisia cerebral – O aparecimento das aquisições motoras grosseiras (sentar, ficar em pé, andar) pode ser muito demorado ou apenas levemente atrasado.
2ºEstágio: Entre o 2º e 5º ano – As características do desenvolvimento motor grosseiro continuam a ser significativamente melhoradas, ao contrário do desenvolvimento motor fino e do desenvolvimento mental que permanecerão estacionários ou podem regredir – Podem surgir problemas físicos, perda da função das mãos e a crescente intensidade no esfregar das mãos.
3º Estágio: Algumas crianças poderão obter melhorias ao nível dos movimentos manuais – Incapacidade presente da marcha; tempo de reacção muito retardado; problemas de coordenação óculo manual; total ou quase total inabilidade de comunicação verbal; exprimem, pelo olhar diferentes emoções e estados de espírito, etc.
4º Estágio: atingido na puberdade: podem melhorar muito ao contacto afectivo; controlar as crises convulsivas; agravamento da escoliose, das posturas viciosas, das tendências ao emagrecimento; alterações tróficas e distúrbios circulatórios nos membros inferiores.
Causas do síndrome de Rett:
“A etiologia do Síndroma de Rett permaneceu desconhecida até 1999. A ocorrência no sexo feminino sugeria uma base genética, nomeadamente uma mutação dominante no cromossoma X com efeito letal no sexo masculino. Neste contexto o facto da maioria dos casos serem esporádicos, sem outros familiares afectados, seria compatível com o aparecimento de neo-mutações. Em 1998 os estudos de ligação genética envolvendo os raros casos familiares de síndroma de Rett sugeriram a presença de umlocus na região Xq28. A pesquisa de mutações em vários genes candidatos culminou na descoberta recente de mutações no gene MECP2 em várias crianças com síndroma de Rett”.
“O gene MECP2 codifica a proteína MeCP2 («methylCpG binding protein 2») que tem função de inactivação de outros genes através de mecanismos de repressão da transcrição envolvendo a ligação a regiões CpG metiladas. O síndrome de Rett resultará provavelmente de uma expressão excessiva de alguns genes que habitualmente se encontram silenciados. A identificação e a avaliação da expressão dos possíveis genes alvo da proteína MeCP2, nomeadamente ao nível do sistema nervoso central, poderão, no futuro, vir a permitir uma melhor elucidação dos mecanismos patogénicos do síndrome de Rett”.
As mutações no gene MECP2 representam uma proporção importante dos casos de síndroma de Rett mas existirão provavelmente outros factores ainda não identificados na etiologia desta doença. Foi também demonstrada a presença de mutações no gene MECP2 em familiares de doentes com síndroma de Rett: dois do sexo feminino, uma com perturbações neurológicas discretas e um do sexo masculino com encefalopatia congénita.
“ (…) a descoberta de mutações no gene MECP2 responsáveis pela doença permite a sua utilização como método eficaz de confirmação precoce da doença, o estabelecimento do prognóstico e a previsão de um baixo risco de recorrência em irmãos de casos isolados, o que dificilmente poderá ser garantido se houver incerteza ou ausência de diagnóstico, e ainda a sua aplicação ao diagnóstico pré-natal”.
Intervenção
O processo de intervenção em crianças e jovens com síndrome de Rett, deve envolver uma equipa multidisciplinar constituída por: médicos (para realizar o diagnóstico clínico, o controle medicamentoso das crises epilépticas, etc.); fisioterapeutas (para trabalhar a marcha, espacidade, contraturas, deformidades articulares); professores/educadores (para melhorar o nível cognitivo, sócio-afectivo e motor); Terapeutas da fala (para auxiliar na assistência à alimentação, e realizar exercícios preparatórios de linguagem); psicólogos (como suporte emocional aos pais, assim como para criar novos canais de comunicação).
A intervenção deve ser organizada e estruturada – os técnicos envolvidos no processo deverão trabalhar em articulação no sentido de melhorar a qualidade de vida da criança/jovem com síndrome de Rett. Deverá trabalhar-se: a cognição, a comunicação, o nível motor, a parte sócio – afectiva; recorrendo à estimulação global, à intervenção precoce, à terapia pela música, à psicomotricidade, à hipoterapia, à terapia pela arte, à hidroterapia, à terapia ocupacional, à terapia da fala, etc.
“Para obter os melhores resultados é necessário que a regularidade faça parte da vida normal da menina, tendo em conta que a firmeza e o afecto são necessárias”.
António Pedro Santos